quarta-feira, 24 de junho de 2009

como já dizia...

...como já dizia karl marx:
“a religião é o ópio do povo”,
mas eu queria que fosse o contrário

...como já dizia nelson rodrigues:
“a unanimidade é burra”
mas todo mundo diz isso

...como já dizia paulo coelho:
“amar é observar a mesma montanha por ângulos diferentes”
mas que metáfora escrota!

...como já dizia pedro fofé:
“é que nem macunaíma”
mas eu nunca entendi isso

...como já dizia bob marley:
“para que levar a vida tão a sério, se ela é uma alucinante aventura da qual jamais sairemos vivos?”,
mas ele tava muito louco

...como já dizia a vó do raul seixas:
“quem não tem colírio usa óculos escuros”,
mas não é bem verdade?

...como já dizia la rochefoucauld:
“o amor é como fogo: para que dure é preciso alimentá-lo”,
mas quem foi mesmo la rochefoucauld?

...como já dizia tom zé:
“blá blá blá blá blá blá
blá blá blá, porra!!!”

“...como já dizia jorge maravilha”
mas eu nunca entendi o que vem depois...

quinta-feira, 4 de junho de 2009

a kombi do élvio

1.

Marinaldo – Bora, bora. Lapa, Central!

Passageira 1 – Quanto que tá?

Marinaldo – É dois reais, senhorita. Mais barato que ônibus, mais confortável do que ônibus e o meu amigo Valtinho ainda deixa a senhorita escolher a estação de rádio de sua preferência.

Passageira 2 – (baixo para Passageira 1) Não vai não, Cláudia. Daqui a pouco passa a Kombi que eu te falei.

Válter – (grita lá de dentro) Todas as van é o mesmo preço!!

Passageira 2 – (para Passageira 1, baixo) Espera só pra tu ver.

Passageira 1 faz uma cara de “foi mal” para Marinaldo.

Marinaldo – Pode tocar, Valtinho. Bora, bora, Lapa, Central.



2.

Válter – Essa Kombi aí tá me enchendo o raio da paciência, Marinaldo. Nunca tinha visto isso nesse nosso percurso!

Marinaldo – Não esquenta, não, Valtinho. Daqui a pouco essa palhaçada de roubar passageiro nosso acaba.

Válter – Acaba como, Marinaldo? Ninguém faz nada nessa cidade! Onde já se viu? A gente penou pra conseguir licença e o escambau e chega esse abusado cobrando R$1,50 na passagem pelo mesmo trajeto? Só pode estar brincando comigo!

Marinaldo – Tu tá ficando vermelho, Valtinho. Relaxa aí no volante que eu não quero morrer hoje não. Da última vez que tu ficou puto assim a gente quase que foi se encontrar com o Salvador. E além do mais, o Élvio nunca teve sorte na vida.

Válter – Quem é Élvio?

Marinaldo – O cara da Kombi.

Válter – E tu conhece ele da onde?

Marinaldo – Ele é lá de Valqueire. Ouve o que eu tô te falando: daqui a pouco ele se fode. E a gente não vai precisar fazer nadinha, nadinha.



3.

Válter – Lá vai o filha da puta de novo, Marinaldo. Cadê que ele se fode, Marinaldo? Cadê que ele se fode sem a gente precisar fazer nada?!

Marinaldo – Diz que já denunciaram a Kombi dele.

Válter – E por que que ele ainda tá rodando, então?

Marinaldo – Diz que ele tem uns conchavos com os caras.

Válter – (olhando pra frente) Olha que viadinho, Marinaldo. Olha o que ele pintou no vidro de trás da Kombi: “Anna Carolynni, papai te ama”. É um babaca mesmo!

Marinaldo – Ihhhh...

Válter – Que que foi?

Marinaldo – Diz que ele tem umas histórias esquisitas com essa filha dele...

Válter – Que histórias?

Marinaldo – Ah. O povo lá de Valqueire que conta.

Válter – Fala logo, porra! Que que o povo conta?

Marinaldo – Diz que o Élvio curte os peitinhos dela.

Válter – (para a janela) Bota os óculos, vagabunda!! (para Marinaldo) Como assim, Marinaldo?

Marinaldo – É isso mesmo que tu ouviu, Valtinho. E quando eu digo “os peitinhos”, eu queria estar dizendo muito mais do que isso. Mas eu sou decente.



4.

Marinaldo – Porra, Valtinho, aqui é a minha área. O Élvio é um cara querido aqui em Valqueire. Carismático! Todo mundo gosta dele. Se veem a gente na garagem dele eu nem sei.

Válter – Deixa de ser cagão, homem. Tá todo mundo dormindo. Nunca vi, isso aqui parece interior de Minas de tão parado. Olha pra mim: quanto mais rápido a gente agir, mais rápido a gente sai daqui. Tá me entendendo?

Marinaldo – Tô.

Válter – Então anda logo, porra. Tem certeza que é a tinta certa?

Marinaldo – Tenho. Diz que não sai por nada.

Válter – Diz o que, Marinaldo? Quem que “diz”??

Marinaldo – O fera da loja.

Válter – Ah, tá. Porra, fica com “diz” pra cá, “diz” pra lá, eu nunca sei quem que diz. Puta mania escrota, Marinaldo! Foda-se, agora vão bora. É só fazer o Mzinho com cuidado. Aí a gente fode com esse filho da puta!



5.

Válter – A Kombi tá demorando pra passar hoje!

Marinaldo – Calma, Valtinho. Dia de quarta ele pega mais tarde mesmo. Diz que a filha entra nove horas no colégio e ele não deixa a menina pegar ônibus. Daqui a pouco ele tá estourando aí.

Válter – Frescura...

Marinaldo – Eu também acho. Mas além de ser um cara safado, o Élvio é, acima de tudo, um cara ciumento. Diz que a quantidade de marmanjo que já levou porrada dele porque mexeu com a garota não dá pra contar em duas mãos.

Válter – E a mulher desse safado? Acha o que de tudo isso?

Marinaldo – Coitada. Diz que não sabe de nada.

Válter – Ela que diz que não sabe de nada?

Marinaldo - Não, né, Valtinho. O povo que diz.

Válter - Então relaxa. Hoje o povo vai dizer pra ela.



6.

Marinaldo – Tá vindo ali atrás, Valtinho. Encosta no ponto agora pra ele parar na frente.

Válter – É pra já. Quero ver se alguém vai entrar nessa Kombi hoje.

Marinaldo – Bora, bora. Lapa, Central.

Passageira 1 – Tá muito cara essa tua van.

Passageira 2 – É mesmo. Exploração. Tá achando que a gente é madame?

Passageira 3 – O mundo nessa crise e vocês cobrando dois reais na passagem.

Marinaldo – É o preço, princesa.

Válter – Todas as van é o mesmo preço!!!!

Marinaldo – Calma, Valtinho. (para as moças) É mais barato do que ônibus, mais confortável que ônibus e o meu amigo Valtinho ainda deixa as senhoritas escolherem a estação de rádio de suas preferência.

Passageira 2 – Muito obrigado. (para as outras duas) Hoje o Élvio falou que eu podia trazer meu mp3 que ele ia ligar no som da Kombi dele. E tudo por R$1,50!

Válter – Filho da puta!

Passageira 3 – Olha ele ali!

Passageira 1 – Élviooooo! Élviooooo!

Válter – Sobe na van, Marinaldo. O babaca tá parando na nossa frente.



7.

Passageira 2 – “Anna Carollyni, papai te Mama”??!!!...Que nojo, Élvio!!!

Passageira 1 – Então era verdade!

Passageira 3 – Onde há fumaça, há fogo. É o que eu sempre digo!

Passageira 1 – Isso dá cadeia, seu safado!!

Passageira 2 – É isso aí. Delegacia da mulher!! Lei Maria da Penha nele!!

Todas – Maria da Penha! Maria da Penha! Maria da Penha!

Marinaldo – Vão bora, minha gente! Deixa que essa Maria da Penha dá uma surra nele!



8.

Marinaldo - Bora, bora. Lapa, central. Só tem lugar em pé, vamo entrando.

Válter - Tu sabe do Élvio, Marinaldo?

Marinaldo - Ih, diz que a vida dele desandou. A mulher botou ele na justiça e se mudou com a filha de Valqueire. Ele não pode nem mais ver a menina.

Válter - Bem feito.

Marinaldo - Quem mandou abusar da garota?

Válter - Quem mandou mexer com a gente.



9.

Passageira 1 - Você sabe que eu bem senti pena do Élvio depois, menina. Ele negou até a morte que não fazia aquilo na filha dele. Que era tudo invenção. Agora tá em depressão. Nem sai mais de Valqueire.

Passageira 3 - É. Eu também fiquei chateada. Ele não era o tipo do homem que faz essas coisas. E, além do mais, eu adorava aquela Kombi.

Todas - Todas nós.

Passageira 2 - O pior é que ele nunca descobriu o safado que fez aquilo com ele.

Passageira 3 - Nem ele, nem ninguém.

Passageira 1 - Vocês sabem que eu liguei pra ele? Pra dar uns conselhos e coisa e tal. Falei que ele tinha que dar a volta por cima, que ele era muito novo pra sofrer daquele jeito.

Passageira 2 - E ele?

Passageira 1 - Falou que ia pensar um pouco mais. Ele tava muito abalado ainda.

Passageira 3 - Chegou. Faz sinal.

Marinaldo - Bora, bora. Lapa, Central.

Válter - Todas as van é o mesmo preço!!

Todas - Que saco.



10.

Válter - Marinaldo, aquela Kombi vindo ali atrás não é igual a do Élvio?

Marinaldo - Ih, é ela mesma. E é o próprio que tá dirigindo.

Válter - Que que esse vagabundo ta fazendo aqui?

Marinaldo - Não sei o que ele tá fazendo, mas com certeza não vai fazer muita coisa. A batatinha dele tá assando. Diz que ele tentou de todo jeito tirar aquilo de trás da Kombi, mas não resolveu. Encosta pra ele passar na frente.



11.
(na van)

Passageira 1 - É o Élvio!!!! É o Élvio!!!!!

Todas - Élviooooooo!

Passageira 2 - Deixa a gente descer, moço, senão o Élvio vai embora.

Marinaldo - Vocês vão entrar na Kombi do safado??

Passageira 3 - Ele tá regenerado!!

Passageira 1 - Olha só o que ele escreveu atrás da Kombi.

Válter - "Ana Carolynni, papai te mamaria se não fosse o fato de você ser minha filha, menor de idade, e se não fossem todas essas leis que poderiam me prejudicar a nível pessoal e profissional"

Todas - Fofo!!!


FIM

segunda-feira, 1 de junho de 2009

páscoa

Depois do almoço de Páscoa, ele se recostou na velha cadeira de balanço e dormiu profundamente. Quando deu por si, já estava escuro. Ainda de olhos fechados, pensou no bolo de nozes que sua esposa fazia tradicionalmente há cinqüenta anos, especialmente para a Páscoa. A festa da ressurreição – ela chamava assim. A data mais importante para todos os católicos, principalmente para os fervorosos como sua esposa. Alzira tinha umas crenças tão bobas, essa coisa de ressurreição, por exemplo. Aonde já se viu acreditar que um sujeito que morreu na cruz vai ressuscitar três dias depois? Vá lá que era Jesus Cristo, grande profeta e coisa e tal, curou leproso, cego, prostituta. Mas se o sujeito fosse tão bom assim, por que esperaria três dias inteiros pra ressuscitar? Ressuscita na hora, então, porcaria! Ai, ai, Alzira. Tão bobinha. Acreditando nessas histórias pra boi dormir. Ela e tantos outros. Como o Juvenal, bom amigo de sempre. Sua cabeça-dura era de doer. Era kardecista, o Juvenal! O velho teve a audácia de dizer, durante o almoço, que, depois que a gente morre, o espírito fica rodando por aí, desencarnado, vendo tudo de cima. Ele disse que todo ser humano vai reencarnar. Ainda bem que a Alzira não ouviu isso, ia ter que rezar não sei quantos terços pra ser absolvida daquele pecado dito por outra boca (maldita) na sua própria casa.

Acordou de novo. Um breve cochilo. Ainda estava escuro. Não sentia vontade de abrir os olhos. Agora pensava só no badejo do almoço. Peixe bom pra burro! A Matilde, filha da Naná, que não sabe o que é bom, veio com essas bobagens de que não come carne de animal, que é pecado. Depois que foi pra Índia voltou desse jeito: fresca que só. Budista safada. A Alzira, coitada, preparando ovo mexido pra madame, enquanto todo mundo enchia o bucho. Aí a maluca resolveu contar que a gente podia reencarnar no peixe. E vice-versa. Papo de hospício, entra por um ouvido e sai pelo outro. O pior é que todo mundo sabe que é só da boca pra fora. Ela veio com esse conversê de castração dos desejos pra cá, sofrimento pra lá, mas todo mundo sabe bem que ela trai o bundão do marido com o tal do Sérgio, sobrinho da Fatinha. Ela com certeza vai reencarnar num peixe. Aquele de rio, que tem nome de mulher safada. Ou vice-versa.

Outro cochilo. Aquele almoço fora pesado, ele não sentia vontade de abrir os olhos, nem sequer de se levantar da velha cadeira de balanço. Lembrara-se agora da Marcinha, sua filha caçula. Ela nunca fora muito esperta, mas depois que casou com o Franklin, o pastor, tinha enlouquecido de vez. Acusar uma criança de quatro anos de ter o diabo no corpo era atitude de uma doidivanas. Ainda mais a criança sendo sua própria filha. Disse que tinha que sair correndo com a criança pra igreja, que não dava pra ficar pra sobremesa, porque senão corria o risco da pequena ir pro inferno quando morresse. Vê lá! Inferno! Que lugar é esse, inferno? Pra ele, o inferno são os outros. Pra ele e pra alguém mais, que ele tinha se esquecido quem. Morreu, babau. Cabou. Já era. Zé-fini.

Acordara de mais uma soneca. Ainda escuro. Mesmo para um velho, estava cochilando demais. Chegara a hora de acordar e, quem sabe, comer o que sobrara do almoço. Abrira, finalmente, os olhos. Tudo escuro. Nenhum barulho pela casa, devia ser madrugada. Era melhor se levantar e acender a luz no interruptor. Estranho. Tentou mover as pernas diversas vezes e elas teimavam em não responder. Talvez câimbra. O doutor Felício ensinou uma massagem para essas horas. Mas as mãos também não queriam se mover. Nem o rosto, nem a boca, nem o pescoço. Nada mexia. Estava paralisado e não conseguia nem sequer gritar. O desespero tomou conta dele por inteiro. O jeito era esperar até de manhã. A Alzira chamar o doutor e tudo voltar ao normal. A sorte é que poderia esperar dormindo, pois o sono já o tinha pegado de novo.




Acordou na manhã seguinte. Tudo estava claro, a luz do sol era fortíssima, quase o cegava. Já conseguia mexer pés, mãos, tudo. Mas seu corpo jazia imóvel na cadeira de balanço e a Alzira chorava. O doutor Felício a consolava.

Não chora, Alzira. Por favor. Reza. Reza pra eu não virar badejo.

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